Ruth Tapia, da Frente Sandinista, em entrevista

«Façamos avançar as lutas<br>dos povos de todo o mundo!»

Texto: Carlos Lopes Pereira
Fotos: Inês Seixas

Uma res­pon­sável da Frente San­di­nista de Li­ber­tação Na­ci­onal, Ruth Tapia Roq, par­ti­cipou da 38.ª Festa do Avante!. Em­bai­xa­dora da Ni­ca­rágua em França e em Por­tugal, mos­trou-se en­can­tada com a energia dos co­mu­nistas por­tu­gueses, falou do de­sen­vol­vi­mento do seu país – o com­bate contra a po­breza está a ser ganho, a saúde e a edu­cação são gra­tuitas, abre-se es­tradas, o Canal é uma es­pe­rança –, elo­giou os es­forços de in­te­gração na Amé­rica La­tina, de­fendeu uma frente mun­dial anti-im­pe­ri­a­lista para fazer avançar a luta dos povos.

A Amé­rica La­tina vive hoje o seu me­lhor mo­mento. As eco­no­mias crescem. A Ni­ca­rágua tem um cres­ci­mento anual do PIB de 5%. Es­tamos eco­no­mi­ca­mente es­tá­veis e já não existem di­ta­duras

Image 16799

Desta sua pri­meira Festa do Avante! que im­pres­sões leva?

Estou en­can­tada. Co­nheço um pouco a Eu­ropa, os par­tidos co­mu­nistas eu­ro­peus, a Festa do L’Hu­ma­nité. Mas a Festa do Avante! é es­pe­cial. As pes­soas estão aqui com con­vicção. Sente-se a energia co­lec­tiva dos mi­li­tantes do PCP.

Qual a si­tu­ação na Ni­ca­rágua, com o re­gresso da FSLN ao poder, em 2007, após 16 anos de go­vernos da di­reita?

En­con­trámos um país em­po­bre­cido. Um país onde a elec­tri­ci­dade foi pri­va­ti­zada e havia pouca luz. O anal­fa­be­tismo, re­du­zido nos anos 80 para 12%, chegou aos 22% com a di­reita, entre 1990 e 2006. A saúde es­tava pra­ti­ca­mente pri­va­ti­zada. A edu­cação também foi quase toda pri­va­ti­zada, as es­colas pú­blicas foram aban­do­nadas. A Ni­ca­rágua es­tava muito pobre.

Quando re­gres­sámos ao poder, em 2007, ti­vemos de des­man­telar o re­gime ne­o­li­beral que her­dámos e isso não foi fácil. Um dos fac­tores que nos ajudou foi termos ade­rido logo à ALBA (Ali­ança Bo­li­va­riana para os Povos da Amé­rica), o que nos per­mitiu ter com­bus­tível. A Ve­ne­zuela dava-nos pe­tróleo, nós em troca dá­vamos ali­mentos.

Como se com­bate a po­breza, um ob­jec­tivo do go­verno san­di­nista?

De vá­rias formas. Por exemplo, nas zonas ru­rais, criámos pro­gramas para dar apoio a mu­lheres cam­po­nesas. Na Ni­ca­rágua, as mu­lheres são a mai­oria e muitas delas, mães sol­teiras, têm de educar so­zi­nhas os fi­lhos. Outro exemplo, na ci­dade. O Es­tado apoia as mu­lheres que queiram co­meçar pe­quenos ne­gó­cios de pro­dução ar­te­sanal. Re­cebem um em­prés­timo, a juro zero, e mais tarde de­volvem o ca­pital.

Saúde e edu­cação
são hoje gra­tuitas


Na saúde e na edu­cação houve pro­gressos?

Claro. A pri­meira coisa que o co­man­dante Da­niel Or­tega as­se­gurou quando re­gressou ao poder foi saúde e edu­cação gra­tuitas. Fi­zemos um es­forço para me­lhorar estas áreas. Na Ni­ca­rágua há pouca gente que des­conta para a Se­gu­rança So­cial mas todos os ci­da­dãos têm acesso à saúde pú­blica. Isso já é uma re­a­li­dade.

A mesma coisa se passa na edu­cação. Temos pro­gramas de for­mação para pro­fes­sores, para me­lhorar a qua­li­dade da es­cola pú­blica. Há um es­forço para que os alunos não aban­donem pre­co­ce­mente o en­sino. Por isso ins­ti­tuiu-se o pe­queno-al­moço e o al­moço nas es­colas. Assim, as cri­anças não têm de ir tra­ba­lhar para ajudar os pais po­bres ven­dendo água ou gu­lo­seimas pelas ruas. Agora temos 100 por cento das cri­anças es­co­la­ri­zadas.

A saúde e a edu­cação me­lho­raram muito, então…

Me­lho­raram, sim, mas con­ti­nu­amos a ser um país pobre. Não temos uma va­rinha má­gica. Não de­sen­vol­vemos ainda o tu­rismo porque as infra-es­tru­turas ho­te­leiras não o per­mitem. O go­verno está a cons­truir es­tradas, im­por­tantes para o co­mércio. A Ni­ca­rágua é um país de lagos e vul­cões. Temos mon­ta­nhas no Norte e, com as chuvas, há épocas em que os cam­po­neses não con­se­guem levar os seus pro­dutos, as vi­a­turas não passam, a pro­dução não pode ser trans­por­tada. Por isso, es­tamos a abrir novos ca­mi­nhos.

Fala-se do canal que atra­ves­sará a Ni­ca­rágua e li­gará o Atlân­tico ao Pa­cí­fico, num pro­jecto com ca­pi­tais chi­neses…

Temos em es­tudo vá­rios me­ga­pro­jectos e um deles é o Grande Canal In­te­ro­ceâ­nico da Ni­ca­rágua. Já está de­fi­nido o tra­çado. Em Ma­nágua estão a ser cri­adas con­di­ções para co­meçar os tra­ba­lhos no final deste ano. Está pre­visto que o canal es­teja pronto em 2020. Isso será a li­ber­tação para a Ni­ca­rágua porque trata-se de uma obra que vai de­sen­volver o país em todos os as­pectos. É uma es­pe­rança.

«Es­ti­vemos sempre
a olhar para o Norte»


Quais são as pers­pec­tivas para a Amé­rica La­tina com a emer­gência, a par de Cuba so­ci­a­lista, de vá­rios go­vernos pro­gres­sistas?

A Amé­rica La­tina vive hoje o seu me­lhor mo­mento. As eco­no­mias crescem. A Ni­ca­rágua tem um cres­ci­mento anual do PIB de 5%. Es­tamos eco­no­mi­ca­mente es­tá­veis e já não existem di­ta­duras. Com go­vernos pro­gres­sistas na Ni­ca­rágua, na Ve­ne­zuela, na Bo­lívia, no Equador, com­bate-se a po­breza, em­bora per­sistam de­si­gual­dades so­ciais, como em toda a parte.

Foi criada a CELAC, a Co­mu­ni­dade dos Es­tados La­tino-Ame­ri­canos e Ca­ri­be­nhos. Pela pri­meira vez na his­tória de toda a nossa Amé­rica criou-se uma or­ga­ni­zação que vai do Mé­xico até à Pa­ta­gónia. De fora só fi­caram os Es­tados Unidos e o Ca­nadá. Foi a pri­meira vez que todos os go­vernos se pu­seram de acordo, in­de­pen­den­te­mente da ide­o­logia, in­de­pen­den­te­mente de a Colômbia estar pró­xima dos Es­tados Unidos. Con­se­guimos per­ceber que entre nós temos tudo o que ne­ces­si­tamos. A Amé­rica La­tina tem pe­tróleo, cobre, ferro, tem as ri­quezas bas­tantes para que se­jamos países de­sen­vol­vidos. O pro­blema é que es­ti­vemos sempre a olhar para o Norte. A CELAC co­loca na agenda o que po­demos fazer nós mesmos. É um es­forço de in­te­gração im­por­tante. Por isso, as pers­pec­tivas são de es­pe­rança.

Acha im­por­tante a con­ver­gência de par­tidos co­mu­nistas e de ou­tras forças re­vo­lu­ci­o­ná­rias e pro­gres­sistas?

É es­sen­cial. Esta não é só uma luta do Par­tido Co­mu­nista Por­tu­guês em Por­tugal ou da Frente San­di­nista na Ni­ca­rágua. É uma luta mun­dial. Temos de nos unir porque há um sis­tema que nos oprime, nos ex­plora. Di­vi­didos somos fracos. Não po­demos con­ti­nuar com esse ca­pi­ta­lismo sel­vagem que está a oprimir os povos. As forças pro­gres­sistas de todo o mundo devem unir-se, o ini­migo dos povos é o im­pe­ri­a­lismo. Não im­porta onde es­tamos, na Amé­rica La­tina ou na Eu­ropa, temos uma missão comum. Juntos, fa­çamos avançar as lutas dos povos de todo o mundo!

 



Mais artigos de: Temas

Só os comunistas podem dar resposta<br> aos problemas do povo

Ch­ris­topher Fon­seca, membro do Con­selho Na­ci­onal do Par­tido Co­mu­nista da Índia e se­cre­tário-geral do Con­gresso dos Sin­di­catos de Toda a Índia (AITUC) em Goa, es­teve na Festa do Avante!. Em de­cla­ra­ções ao nosso jornal, este di­ri­gente da AITUC – a mais an­tiga das fe­de­ra­ções sin­di­cais na Índia (foi fun­dada em 1920) e uma das cinco mai­ores do país, com 3,6 mi­lhões de mem­bros, desde sempre com fortes li­ga­ções ao Par­tido Co­mu­nista da Índia – ma­ni­festa a sua con­vicção de que as forças de es­querda, apesar dos maus re­sul­tados ob­tidos nas úl­timas elei­ções, vão con­se­guir re­forçar a sua uni­dade e de­sem­pe­nhar um papel de­ter­mi­nante no país.

Garrote da dívida externa<br>continua a aumentar

Com a im­plosão do grupo BES, era de prever que apa­re­cessem os «abu­tres» com o ob­je­tivo de com­prar as me­lhores em­presas a preços de saldo. Isso acon­teceu e vai ter a ajuda deste Go­verno. Paulo Ma­cedo, em de­cla­ra­ções aos ór­gãos de co­mu­ni­cação so­cial, já afirmou que o Go­verno não le­van­taria qual­quer obs­tá­culo à venda da Es­pí­rito Santo Saúde a um grupo me­xi­cano, em­bora esta em­presa tenha uma im­por­tância grande na área da saúde em Por­tugal, sendo mesmo res­pon­sável pela gestão do hos­pital pú­blico de Loures. O mesmo su­cede com a se­gu­ra­dora Tran­qui­li­dade, ob­jeto também da co­biça de vá­rios grupos es­tran­geiros que a querem com­prar por apenas 50 mi­lhões de euros, cer­ta­mente um preço de saldo.